LAVANDO OS PÉS UNS DOS OUTROS


(João 13.1-17 - ARA)

 

INTRODUÇÃO: A lavagem dos pés, feita pelo Senhor Jesus em relação aos seus discípulos, tem uma significação simbólica muito especial. Quando alguém é alcançado pela graça de Deus, Ele, através do seu espírito, efetua uma “lavagem” completa, que é a “regeneração”. Jesus disse certa vez aos seus discípulos: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo. 15.3 - ARA). Os discípulos já haviam sido regenerados por Deus, através da sua palavra “...que havia produzido tão estupendos resultados, isto é, “a revelação total que ele fizera, que lhes infundira a vida espiritual e, por conseguinte, que os purificara”...” (CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Volume 1. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2002, p. 539). O Novo Comentário da Bíblia nos diz que “...Os verdadeiros crentes são purificados pela Palavra e pela experiência de união com a videira...” (3.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1995, Reimpressa em 2003, p. 1092). Entretanto, mesmo regenerados, estaremos sujeitos a cometer muitos pecados enquanto vivermos na terra, sendo, por isso, que precisamos tanto do perdão do Senhor constantemente, como também da compreensão de nossos irmãos, compreensão esta que também devemos praticar em relação a estes.

 

I – O COSTUME ANTIGO DE SE “LAVAR OS PÉS”: Lavar os pés dos visitantes, pelos empregados nas casas de anfitriões, parece ter sido um costume muito antigo (Gn. 18.4; 19.2; 24.32; 1Sm. 25.41). Como bem relata Russell Norman Champlin, “...O costume teve origem nas circunstâncias das localidades orientais, onde as estradas eram poeirentas e o clima era opressivamente quente...” (Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 8.ª Edição. Volume 3. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2006, p. 738). A prática do “lava-pés” também era utilizada pelos discípulos em relação aos seus mestres, pois “..era considerado sinal de reverência um discípulo lavar os pés de seu mestre....” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 737).

 

II – APLICAÇÃO ESPIRITUAL DO LAVA PÉS: Podemos extrair as seguintes aplicações espirituais do ato praticado pelo Senhor Jesus, quais sejam:

 

1) Precisamos de perdão constantemente: Como bem frisa Russell Norman Champlin, “...os pés são um símbolo da conduta diária...” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 740), ou seja, “símbolo da caminhada cristã”, que “...se sujam durante a caminhada neste mundo e precisam ser limpos...” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 740). Embora possamos estar “limpos” pela obra da “regeneração”, que muda nosso caráter, não existe a possibilidade de andarmos neste mundo sem “sujarmos os nossos pés no caminho”. Na caminhada muitas coisas nos afetam e “prendem-se” aos nossos pés. Por isso, “...O fato de o Senhor ter lavado os pés dos discípulos ilustra a contínua necessidade que o crente tem de purificar-se depois do banho definitivo da regeneração...” (UNGER, Merril Frederick. Manual Bíblico Unger. Reimpressão Revisada da 1.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2008, p.448). O apóstolo João deixou bem claro a necessidade de purificação constante de pecados, quando disse: “Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1Jo. 1.10; 2.1 - ARA).

 

2) Devemos viver humildemente: Não há como duvidar de que o ato do Senhor Jesus de lavar os pés de seus discípulos serviu como ensinamento de “humildade”, especialmente pelo fato de que havia discussão entre eles para definição de quem seria superior (Lc. 22.24). A palavra “humilde” (gr. tapeiros) significa literalmente “abaixado” e, por coincidência, ou não, o ato de lavar os pés forçava o indivíduo a inclinar-se abaixo do nível da estatura da outra pessoa, cujos pés seriam lavados. O Senhor Jesus tirou suas roupas de cima, sendo que este ato significava tanto “intimidade” e “humilhação”, como também demonstração de “igualdade de condições”, pois um superior jamais se despia diante de seus servos. O próprio Senhor Jesus deu o exemplo máximo da humildade, pois mesmo sendo o filho primogênito de Deus “...a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo...” (Fp. 2.7a - ARA), ou seja, durante a sua vida terrena jamais foi arrogante e dominador como os religiosos judaicos da sua época. Ele mesmo disse o seguinte, quando ensinava seus discípulos acerca da humildade, em razão do desejo de superioridade deles: “Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt. 20.28);

 

3) Devemos compreender os pecados das outras pessoas: Como é inevitável sujar os pés durante a caminhada, devemos compreender as sujeiras dos pés dos nossos semelhantes, ou seja, os pecados por eles cometidos, pois os nossos pés também vão estar sempre sujeitos às mesmas sujeiras da caminhada. Os servos, na antiguidade, tinham que lavar os pés dos visitantes da casa em silêncio, por isso devemos lavar os pés uns dos outros também em ”silêncio”, sem reclamações, sem sermões morais ou quaisquer outras palavras, bem assim sem julgamentos. Como já foi dito acima, tirar as roupas significava tanto “intimidade” e “humilhação”, como também demonstração de “igualdade de condições”. Conseqüentemente, o ato de despir-se simboliza o “abandono da justiça própria”, que é decorrência do ato de “humilhação”, pois devemos estar “nus” e “abaixados”. Quando nos despojamos das nossas justiças próprias, evitamos cair na tentação do julgamento. O Senhor Jesus nos deixou um precioso conselho acerca do ato de “julgamento de erros” nas outras pessoas, que deveríamos evitar, quando disse: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Mt. 7.3-5 - ARA). O renomado doutrinador Orlando Spencer Boyer fez a seguinte observação preciosa: “...não convém lavar-lhes os pés com água escaldante, isto é, reprová-los com ira. Nem é bom lavar-lhes os pés com água gelada, isto é com dureza” (Espada Cortante. Volume 2. 2.ª Edição. Pindamonhangaba, SP: Editora IBAD, 1983, p. 454). Na realidade, o ato simbólico de “lavar os pés” não significa que o ser humano tenha poder de perdoar pecados. O referido ato simbólico deve caracterizar-se, como diz o Rev. Caio Fábio, “...não como quem purifica pecados, mas como quem dá conforto, recebe em casa, e afirma o irmão como irmão, não importando a jornada.. ”. O Apóstolo Paulo disse aos irmãos da Galácia: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (Gl. 6.2 - ARA). As cargas referidas por Paulo “...são o peso do pecado por causa do pecado que o irmão faltoso está carregando, bem como todos os outros pesos da tristeza e da preocupação que podem sobrecarregar os corações de nossos semelhantes...” (O Novo Comentário da Bíblia. Vide, p. 1246);

 

4) Devemos conviver com os demais pecadores: O apóstolo João disse na sua primeira epístola que “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”. Portanto, devemos reconhecer que somos pecadores em condições de igualdade com as pessoas que nos cercam. Nossa obrigação é conviver com todos sem nos afastarmos por motivo algum, muito menos por questões religiosas. Russell Norman Champlin assevera que “...Os fariseus se satisfaziam em retirar-se da presença daqueles que consideravam pecadores, pensando que até a poeira dos gentios e pecadores provocava a impureza cerimonial, levando os contaminados a perderem as condições apropriadas para adorarem e servirem a Deus...” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Volume 1, p. 351, 2002, Editora Hagnos, São Paulo/SP). Entretanto, o Senhor Jesus vivia entre os pecadores pregando o evangelho e ensinando acerca do reino de Deus, sendo que é isto que devemos também fazer durante nossa vida terrena;

 

5) Não devemos ter medo de expor nossos erros: Assim como teremos que ver a sujeira dos pés das outras pessoas, e talvez até sentir o seu mau cheiro, também não podemos ter medo de expor nossa sujeira. Mostrar os pés é não ter medo de expor a própria sujeira, porque a outra pessoa também sempre estará com os pés sujos.

 

CONCLUSÃO: Nossa caminhada cristã deve ser feita de forma consciente, pois devemos entender que jamais alcançaremos a perfeição aqui na terra, mas sim, estamos caminhando em direção à perfeição que virá através da “glorificação”, quando estivermos permanentemente com o Senhor. Enquanto caminhamos aqui na terra, estaremos sujeitos ao cometimento de muitos pecados, embora não deva ser nosso interesse cometê-los. Por isso, precisamos do perdão do Senhor constantemente, bem como devemos entender os erros dos nossos semelhantes e jamais julgá-los, pois sempre estaremos sujeitos a julgamento. “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt. 7.1 - ARA).

(Texto revisado e reeditado)

 
JORGE CARVALHO