“Vinde
a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o
meu fardo é leve”
(Mateus 11.28-30 - ARA).
INTRODUÇÃO: O texto acima
transcrito é umas das mais belas expressões bíblicas de convite à aproximação
de Deus. Entretanto, enganam-se aqueles que pensam que o convite foi feito a
todas as pessoas da época de Jesus, judeus e gentios, bem assim que sua
mensagem foi de alívio de todos os problemas. Ao contrário, as palavras de
Jesus foram direcionadas exclusivamente aos judeus, pois ele mesmo disse: “...Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel” (Mt. 15.24 - ARA). Por outro lado, quanto aos
problemas que precisavam ser aliviados, a mensagem dizia respeito estritamente
à “opressão religiosa” sofrida pelos judeus, imposta pelos religiosos da época.
I – O
MOTIVO DO CANSAÇO E SOBRECARGA: Para se entender o texto bíblico em
epígrafe, deve-se analisá-lo juntamente com todo o contexto. Aliás, nenhum
versículo bíblico deve ser interpretado fora de seu contexto, pois, se assim
for feito, inevitavelmente serão produzidas más interpretações e até mesmo
“falsas doutrinas” (infelizmente isto tem ocorrido com muita frequência nos
dias atuais). O contexto histórico nos mostra claramente a “desvirtuação da
religião judaica”, decorrente do “silêncio de Deus” por aproximadamente 400
anos, ocorrido durante o período denominado “intertestamental” ou “interbíblico”.
Durante este tempo, que compreende desde o encerramento do ministério profético
de Malaquias até a chegada de João Batista, Deus não falou com o povo judeu. Ele
não levantou nenhum profeta, o que fez com que o povo se corrompesse, pois
havia uma máxima antiga que dizia: “Não
havendo profecia, o povo se corrompe...” (Pv. 29.18ª - ARA). O “profeta”
(hb. nabi = anunciador, declarador)
era a “boca de Deus”. Os profetas muitas vezes procuraram mostrar o verdadeiro
“espírito da lei” (intenção da lei) ao povo, pois a lei apresentava, na maioria
das vezes, verdades espirituais através de símbolos. Como exemplo, cito as
expressões do profeta Joel que disse: “Rasgai
o vosso coração, e não as vossas vestes...” (Joel 2.13a - ARA); Os judeus
tinham por costume rasgar as suas vestes em sinal de humilhação a Deus, mas, na
maioria das vezes, o sinal externo não representava verdadeiramente a intenção
dos corações dos praticantes. Por falta de profetas o povo idolatrou os
símbolos contidos na lei e não reconheceu o verdadeiro “espírito da lei”. A lei
mosaica má interpretada tornou-se barreira ao invés de mostrar o caminho para
Deus, sendo que esta barreira fez com que a maioria do povo judeu rejeitasse
Jesus e sua mensagem (Mt. 11.16-19). A religião corrompida tornou Deus
inatingível através de exigências impossíveis de serem cumpridas, impostas
pelas tradições judaicas. As pessoas ficaram cansadas de lutar com suas
próprias forças para achegar-se a Deus, pois a lei tornava isso impossível.
Elas ficaram oprimidas pelo peso da religiosidade (jugo) que produzia “culpa”
ao invés de paz. Todo o sistema legal judaico era simbolicamente considerado como
“jugo” (gr. zugos), que era um objeto
para unir dois animais (balança, equilíbrio) e simbolizava a aprendizagem da
lei e obediência a ela (sistema religioso), bem assim a obediência aos líderes
religiosos. O Comentário Bíblico Pentecostal diz que “...O jugo era símbolo rabínico da lei de Moisés...” (4.ª Edição.
Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2006, p. 82). Lawrence O. Richards diz, com
muita propriedade, que “...Era comum no
judaísmo falar do “jugo da Lei, uma expressão que implicava em um intenso
estudo da Tora e na obediência a ela como meio de obter a aceitação de
Deus...”” (Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1.ª edição.
Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2007, pp. 44/45).
II –
MOTIVOS QUE LEVARAM O SENHOR JESUS CHAMAR O POVO PARA SI (VINDE A MIM...): O povo judeu estava vivendo sob “opressão
religiosa”, pois o sistema religioso vigente na época exigia muitas coisas
impossíveis de serem feitas, sendo que as coisas possíveis apenas produziam
vazio na alma, semelhante ao vazio que Martinho Lutero sentiu antes de ser
usado por Deus para iniciar a grande “Reforma Protestante” na Alemanha a partir
de 1517. A
palavra “cansaço” (gr. kopiao) tanto
significava o “esforço humano”, como também o conseqüente “cansaço” advindo
desse esforço. A palavra “sobregarga” (gr. pephortismenoi)
significava um “excesso de carga”, palavra esta que vem de “phortion” (fardo, carga). Russell Norman
Champlin diz que “...O convite, pois,
visava convencer os pecadores a buscarem, na fonte da verdade, o descanso para
uma consciência ferida e para uma inútil diligência religiosa, que não levava a
lugar nenhum...” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo.
Volume 1. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2002, p. 381). Os líderes religiosos
da época de Jesus reivindicavam para si a “autoridade de Moisés” e sobrecarregavam
as pessoas de um fardo religioso muito pesado. O próprio Senhor Jesus disse o
seguinte acerca disso: “Na cadeira de
Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo
quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e
não fazem. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os
ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.
Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois
alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas” (Mt. 23.2-5 - ARA).
Eles também reivindicavam a “autoridade exclusiva” da interpretação da lei
mosaica e exigiam do povo uma reverência exagerada: “Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas
sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens”
(Mt. 23.6,7 - ARA). Por causa disso é que o Senhor Jesus chamou as pessoas para
si, pois ele mesmo era a “mensagem central da lei”. Na realidade, a expressão “...vinde a mim...” autorizava, e ainda
autoriza, todos os cristãos a se afastarem dos líderes religiosos “possessivos”,
“arrogantes”, “dominadores” e que distorcem a interpretação da Bíblia Sagrada
para sustentarem suas “falsas doutrinas”, especialmente aqueles que ameaçam as
pessoas de maldição por rebeldia, buscando subjugá-las através de uma
“obediência cega”.
III) AS
BÊNÇAOS PROMETIDAS NO CONVITE: As palavras do Senhor Jesus continham promessas
especiais para os seus ouvintes, que servem muito bem para todos os cansados e
oprimidos pela religiosidade dos tempos atuais. As promessas do Senhor Jesus
foram as seguintes:
1) Alívio (“...e
eu vos aliviarei...”): O “alívio” (gr. anapauo) que Jesus estava propondo era o
“abandono do jugo da religiosidade”. Etimologicamente a referida palavra “...significa “fazer ou permitir que a
pessoa deixe de qualquer trabalho ou movimento” para recuperar forças. Implica
labuta e cuidado prévios. Seu significado principal é descansar ou fazer
descansar....” (Dicionário Vine. 7.ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD,
2007, p. 388). O Senhor Jesus estava convidando os seus ouvintes a abandonarem
o jugo pesado da religiosidade, que os estavam deixando cansados pelo esforço
na tentativa de cumprir a lei mosaica e toda a tradição judaica sem êxito. Ele
também estava convidando seus ouvintes a abandonarem o “jugo do abuso de
autoridade”, praticado pelas autoridades religiosas corruptas e autoritárias.
Este “abandono” conseqüentemente produziria “alívio”, pois libertaria do fardo
da “obediência cega”, praticada por “medo de maldição”;
2) Jugo de Jesus (“...Tomai
sobre vós o meu jugo...”): O jugo de Jesus era
o seu ensinamento a respeito da “justiça de Deus”, sendo que este ensinamento
tinha como base o ”cumprimento da lei” de maneira “vicária” (substitutiva) por ele
próprio em nosso lugar, pois aos seres humanos esse “cumprimento integral da
lei” era e é “impossível”, porque a própria lei exigia o seu cumprimento
integral e perfeito. O Novo Comentário da Bíblia deixa claro que este jugo diz
respeito ao “...ensino de Cristo, o que,
por implicação, contrasta com os ensinos opressivos dos fariseus...” (3.ª
Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1997, Reimpressa em 2003, p. 964).
Sendo assim, “...Tomar o jugo significa
que é estabelecida uma relação na qual o discípulo aprende sabedoria do Mestre
manso e humilde. Este trabalho dá descanso...” (Comentário Bíblico
Pentecostal. Vide, p. 82). O ato de “tomar o jugo de Jesus” também tem a ver
com a “crucificação com Cristo” (negação de si mesmo), pois a Cruz era símbolo
de morte e abnegação (morte do “eu”). Paulo disse: “...Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim...” (Gl. 2.19b, 20a - ARA). A morte simboliza o enxerto
na Videira Verdadeira, pois o próprio Senhor Jesus disse: “Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele,
esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo. 15.5 - ARA);
3) Aprender de Jesus (“...e aprendei de mim...”): Como já foi dito
acima, o senhor Jesus convidou seus ouvintes a abandonarem o jugo pesado da
religiosidade que cansava e oprimia, pelo esforço na tentativa de cumprir a lei
e toda a tradição judaica sem êxito. Sendo que “ele cumpriu toda a lei” de
maneira “vicária” (substitutiva) em nosso lugar, com todos os seus simbolismos,
somente Ele tinha a interpretação correta da referida lei. Por isso Jesus
convidou seus ouvintes a “aprender exclusivamente através dos ensinamentos dele”,
fazendo um sério contraste com os ensinos religiosos da época. O senhor Jesus
estava dizendo, indiretamente, que os “líderes” religiosos da sua época não
poderiam ensinar o verdadeiro “espírito da lei mosaica”, por isso seus ouvintes
somente poderiam aprender isso dele próprio;
4) Jesus é o Mestre “manso” e “humilde” (“...porque sou manso e humilde de coração...”): Jesus novamente estava contrastando suas próprias
atitudes com as atitudes dos líderes religiosos da sua época, que eram “violentos”
e “arrogantes”. A palavra “manso” (gr. praus)
significa “gentil” e “compreensivo”, ou seja, o senhor Jesus estava se
apresentando como uma pessoa que não praticava “abuso de poder” como faziam os
religiosos judaicos. Ele mesmo demonstrou isso na prática em várias
oportunidades, como por exemplo, quando tratou com a mulher adúltera, dizendo a
ela o seguinte: “...Nem eu tampouco te
condeno; vai e não peques mais” (Jo. 8.11b - ARA). A palavra “humilde” (gr.
tapeiros) significa literalmente “abaixado”.
Ora, o Senhor Jesus, mesmo sendo o filho primogênito de Deus, “...a si mesmo se esvaziou, assumindo a
forma de servo...” (Fp. 2.7ª - ARA), ou seja, durante a sua vida terrena jamais
foi arrogante e dominador como os religiosos judaicos. Ele era compreensivo e
agia com amor e paciência em relação às pessoas;
5) Descanso para a alma (“...e achareis descanso para a vossa alma...”): Esta palavra “descanso” é sinônimo de “alívio” (gr. anapauo). Em contraste com os
ensinamentos impostos pelos religiosos da época, que produziam “peso na alma”,
os ensinos do Senhor Jesus tinham a capacidade de produzir “paz na alma”, ou
seja, “refrigério na alma”. Seus ensinos “jamais isentaram” seus ouvintes dos “problemas
inevitáveis” e das “tribulações necessárias”, porém, eliminava o maior dos males,
que era o “peso da má consciência” que afastava as pessoas de Deus. Lawrence O.
Richards diz que “...Jesus oferece a
todas as pessoas cansadas um descanso que será encontrado não no estudo da Torá,
mas na adoção dos ensinos de Cristo...”” (Comentário Histórico-Cultural do
Novo Testamento. Vide, p. 45). Para nos aproximarmos de Deus não podemos ter “má
consciência”, que é produzida pela “culpa”, pos o escritor da Epístola aos
Hebreus disse: “...aproximemo-nos, com
sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura” (Hb. 10.22);
6) Jugo suave e fardo leve (“...Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”): O “jugo” do senhor Jesus se resume no ato “voluntário”
de “obediência e submissão” exclusivas a ele, que cumpriu a lei por todos os
seres humanos de forma vicária (substitutiva). O jugo de Jesus é suave porque é
baseado no verdadeiro “espírito da lei” ensinado por ele. Na realidade, a “vida
cristã” não pode ser um fardo pesado para se carregar, pois este “fardo” (gr. phortion = carga), que diz respeito ao “serviço
cristão”, deve ser prazeroso.
CONCLUSÃO: Como já foi dito no
início, o texto ora estudado diz respeito a umas das mais belas expressões
bíblicas de convite à aproximação de Deus. Este convite é para “abandono da
religiosidade opressora”, que afasta o ser humano de Deus ao invés de conduzi-lo
a Ele. Nossa vida cristã sempre será vivida entre “problemas inevitáveis” e
“tribulações necessárias”. A respeito dos “problemas inevitáveis”, o próprio
Senhor Jesus disse: “...No mundo, passais
por aflições...” (Jo. 16.33
- ARA). Mas, mesmo diante dos problemas, devemos viver com “paz na alma”, pois o
próprio Jesus disse: “Estas coisas vos
tenho dito para que tenhais paz em mim...” (Jo. 16.33 - ARA). Quanto às
“tribulações necessárias”, devemos encará-las como importantes para o nosso
“amadurecimento espiritual”, pois o apóstolo Paulo disse: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações,
sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e
a experiência, esperança” (Rm. 5.3,4 - ARA); “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno
peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se
vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se
não vêem são eternas” (2Co. 4.17,18 - ARA).
(Texto revisado e reeditado)