APASCENTANDO O REBANHO DE DEUS CORRETAMENTE



apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho” (1Pedro 5.2,3 - ARA).

INTRODUÇÃO: É fato notório que a primeira epístola geral do apóstolo Pedro foi escrita para orientar e confortar cristãos, espalhados pela região central e ocidental da Turquia (1Pe.1.1), que estavam passando por muitos problemas capazes de colocar sua fé à prova, especialmente a perseguição romana que os oprimia por se declararem cristãos. Isto certamente aconteceu lá pelos idos de 64 ou 65 d.C., aproximadamente, mas a referida carta pastoral deve ter servido para orientar muitas outras igrejas da época. Ao escrever suas orientações aos líderes de diversas igrejas no capítulo 5, certamente Pedro desejou incentivá-los a serem motivadores dos cristãos que estavam sob suas responsabilidades, pois estavam sendo tentados a abandonarem a fé por causa das sérias perseguições e provações. Se isso for verdade, nos leva à certeza de que a igreja deve ser um local de motivação do exercício da vida cristã, sendo que e a liderança deve ser um instrumento motivador e não opressor, mesmo nos dias atuais, haja vista que a pressão do mundo ainda tenta arrancar as pessoas das igrejas, podendo esta força ser impedida através de uma forma amorosa e misericordiosa de apascentar por parte dos seus pastores. Não existe coisa pior do que alguém estar sendo afligido por sérias tribulações e, ao invés de achar alívio e compreensão nas igrejas, encontra opressões muito piores do que as infligidas pelo mundo. O texto bíblico acima transcrito nos ensina ainda o seguinte:

I – AS OVELHAS PERTENCEM UNICAMENTE A DEUS: Os filhos de Deus são comparados na Bíblia a ovelhas. Russell Norman Champlin assevera que “...Na tradição hebreu-cristã, é comum pintar a comunidade religiosa como um “rebanho de ovelhas”...” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Volume 6, São Paulo, SP: Editora Hagnos , 2002, p. 163). Sendo assim, devemos ter consciência plena de que os membros das igrejas formam “...o rebanho de Deus...” (v. 2) e “pertencem unicamente a Deus”. Desta forma, todos os líderes cristãos têm uma grande responsabilidade de administrar bem aquilo que “não lhes pertence”. A ordem que o senhor Jesus deu a Pedro foi: “...apascenta os meus cordeiros...”; “...apascenta as minhas ovelhas...” (Jo. 21.15-17 - ARA). O Senhor confere grande responsabilidade a seus pastores ao colocar suas ovelhas (seus filhos) aos seus cuidados, observando sempre com olhar zeloso. O Novo Comentário da Bíblia observa o seguinte: “...Note-se que o rebanho é de Deus, não do ancião; Deus não fica indiferente ao modo como Suas ovelhas são tratadas...” (3.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1995, Reimpressa em 2003, p. 1416). Portanto, Deus zela pelos seus filhos e jamais deixará impune os atos de negligência ou de abuso de autoridade dos pastores.

II – APASCENTAR É ALIMENTAR E CUIDAR DAS OVELHAS DE DEUS: A função do apascentador é cuidar de rebanhos de ovelhas. Como já mencionado anteriormente, os crentes em Jesus são comparados a ovelhas. Segundo o Novo Comentário da Bíblia, a função do líder cristão é “...alimentar o rebanho de Deus (2), isto é, fazer todo o trabalho de pastor...” (Vide, p. 1416). Conforme os preciosos ensinamentos de Merril Frederick Unger, “Os presbíteros (ou bispos, evidentemente o mesmo posto) são exortados a apascentar o rebanho de Deus, assumindo a responsabilidade de supervisionar o “rebanho de Deus” (a comunidade dos crentes)...” (Manual Bíblico Unger. Reimpressão Revisada da 1.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2008, p. 649). Conforme bem exposto no Comentário Bíblico Pentecostal, “...com base no cuidado pastoral de Deus e de Jesus, os apóstolos e os presbíteros são subpastores que exercem o cuidado pastoral pelo povo de Deus...” (4.ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2006, p. 1726) e, como nos orienta Russell Norman Champlin, “...isso não pode ser realizado à parte do amor de Cristo e do amor aos homens, com a inspiração da parte de seu Santo Espírito...” (Vide, p. 163). A obra do apascentador é o cuidado das ovelhas em todos os aspectos da vida, mas, em especial, mais ativamente em relação à vida espiritual, porém não podendo ser negligente em frente às necessidades materiais dos pastoreados. O Dicionário Vine, após definir o termo “apascentar” (gr. boskõ ou poimainõ), apresenta seguinte nota: “...A lição a ser aprendida, como ressalta Trench (New Testament Synonyms, § XXV), é que, no cuidado espiritual dos filhos de Deus, a “alimentação” do rebanho proveniente da Palavra de Deus é a necessidade constante e regular; é ter o principal lugar. O pastoreio (que o inclui) consiste em outros atos, em disciplina, autoridade, restauração, ajuda material a indivíduos, mas são incidentais em comparação com a “alimentação”.... (7.ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2007, p. 404).

III – O PASTOREIO DEVER SER FEITO VOLUNTARIAMENTE: O ministério de pastoreio do rebanho do Senhor não deve ser feito por “obrigação ou força” (Gr. Anagkastos), mas sim de forma voluntária por aqueles que realmente são vocacionados por Deus. Merril Frederick Unger assevera que a atuação dos presbíteros deve ser “...voluntariamente, e não por obrigação, e de bom grado...” (Vide, p. 649). A voluntariedade é um sentimento produzido pelo Espírito Santo de Deus no íntimo do ser humano, fazendo com que o verdadeiro líder vocacionado se desprenda de interesses terrenos e passe a exercer uma obra puramente espiritual e baseada no amor. Russell Norman Champlin diz, com muita propriedade, que “...A inspiração do pastor, em seu trabalho de amor, deve provir do íntimo, fluente e sem empecilhos, sem obstáculos de ordem pessoal. Isso sugere que todo o serviço prestado por ele deve ser um subproduto do desenvolvimento espiritual, de tal modo que seja uma obra “espiritual”, e não carnal. Tudo quanto um homem faz depende de sua experiência pessoal com o Espírito de Deus. Sem isso, o serviço espiritual seria motivado por considerações errôneas...” (Vide, p. 163).

IV – O PASTOREIO NÃO PODE SER FEITO POR TORPE GANÂNCIA: O pastoreio não deve ser feito motivado pelo desejo de benefício material ou financeiro, mas sim, de “ânimo pronto” (boa vontade), ou seja, como consta no Comentário Bíblico Pentecostal, “...ao invés de exercer seu ofício por vantagens econômicas, os presbíteros devem servir “voluntária, pronta e livremente”...” (Vide, p. 1726). Para Merril Frederick Unger os presbíteros devem atuar “...sem ser motivados por pensamentos de (vil) ganho pessoal...” (Vide, p. 649). A palavra “ganância” (gr. aischrokerdõs), contida no texto bíblico em comento (v. 2), significa, segundo o Dicionário Vine, “...avidez por lucro vil...” (Vide, p. 672). Portanto, o verdadeiro pastor não carrega em seu coração o desejo de benefício material em razão do seu ministério, embora seja digno de um salário condizente com a importância de seu mister (Lc. 10.7 e 1Tm. 5.18), mas sim, trabalha com objetivo único de cuidar com zelo das almas que lhes são confiadas por Deus.

V - O PASTOREIO NÃO PODE SER FEITO ATRAVÉS DO DOMÍNIO: Administração dos santos não deve ser feita com atitude de “domínio” (gr. Katakurieuo), pois os líderes cristãos não são proprietários das ovelhas que foram colocadas ao seu cuidado e que, como já dito alhures, pertencem exclusivamente a Deus. É fato certo que o poder tem a capacidade de corromper o ser humano e o desejo pelo poder faz com que líderes atuem como verdadeiros ditadores nas igrejas cristãs. Russell Norman Champlin, ao comentar o texto em epígrafe, assevera que “...alguns pastores se transformam em “pequenos cesares” na igreja, agindo como se a igreja fosse um pequeno reino sob sua soberania...”. Ainda, complementado, diz que “...tais homens perdem a capacidade de arbítrio, e temem perder os seus poderes...”, “...pois, que o poder pode corromper até mesmo homens espirituais...” (Vide, p. 164). O verdadeiro líder espiritual busca constantemente a humildade e procura agir baseado no amor, na pasciência e na misericórdia.

VI - O PASTOREIO DEVE SER FEITO PELO EXEMPLO: Os verdadeiros líderes, que realmente exercem a liderança ministerial de acordo com os princípios ensinados por Pedro, são aqueles que “...se tornam líderes pelo próprio exemplo que dão ao povo...” (Comentário Bíblico Pentecostal, Vide, p. 1726) e não pelo fato de serem detentores de autoridade. O verdadeiro líder não impõe sua autoridade, mas apenas serve de exemplo, pois, como observa Champlin, “...assim como o bom pastor não empurrava suas ovelhas, mas antes, ia adiante delas no caminho (ver João 10.4), assim também deve fazer o pastor no caso de sua congregação...” (Vide, p. 164).

CONCLUSÃO: O ministério pastoral só poder ser exercido por vocação divina e a convicção nasce no coração do escolhido através da atuação do Espírito Santo de Deus. Quando existe vocação divina, o pastor exerce o ministério de maneira voluntária e sem vislumbrar benefício material ou financeiro. Age motivado pelo amor e busca conduzir o rebanho com zelo e através de seu exemplo de vida.

Jorge Carvalho

O farisaísmo do século XXI


Os fariseus eram religiosos judeus, cujo grupo foi formado antes da vinda do Senhor Jesus, o Cristo, no período conhecido como intertestamentário. Inicialmente eram zelosos em relação à palavra de Deus. E, como disse Merril Frederick Unger, “[...] Eram separatistas rigidamente legalistas, com princípios de oração, arrependimento e doações caridosas [...]” (Manual Bíblico Unger, Reimpressão Revisada da 1.ª Edição, São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2008, p.364).

Entretanto, transformaram-se posteriormente em religiosos corruptos e hipócritas, que viviam uma santidade falsa. Segundo Unger, “[...] De um início admirável na fornalha do sofrimento da era dos Macabeus, eles gradualmente degeneraram no ritualismo vazio e sem princípios dos dias de Jesus [...]” (vide).

O radicalismo e a hipocrisia dos fariseus eram tão visíveis, que a Bíblia Sagrada relata seus atos de repúdio às classes que eles consideravam repugnantes, tais como os publicanos, as prostitutas, etc. Criticavam o Senhor Jesus por ele andar, conversar e comer com os grupos que eles consideravam pecadores (Mateus 9.11; Marcos 2.16).

Durante o seu ministério terreno, o Senhor Jesus jamais levantou qualquer bandeira contra grupos da sua sociedade, especialmente pelas atitudes que praticavam, mesmo sendo elas em discordância com os princípios do Deus Eterno. Sua filosofia era: “[...] Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9.13).

Da mesma maneira como os fariseus da época de Jesus faziam, muitos religiosos hoje levantam bandeiras contra classes de pessoas da sociedade, que julgam serem pecadores, tais como as prostitutas e os homossexuais, por exemplo. Porém, se analisarmos as atitudes do Senhor Jesus, agem os religiosos atualmente, mesmo considerando-se cristãos, em dissonância com os ensinamentos e as atitudes do Mestre. São verdadeiros “fariseus do século XXI”.

Ora, fica uma pergunta: será que os cristãos devem agir como o Cristo agiu e ensinou, respeitando e interagindo com todas as classes sociais com respeito e amor, ou como os fariseus, que incentivavam a segregação social e o preconceito?

Para os que se denominam cristãos, as palavras do Mestre Jesus ainda ecoam firmes nos nossos dias: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício [...]”.
JORGE CARVALHO

“Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13 – ARA)

                 O texto bíblico acima é um dos muitos que estão sendo desvirtuados nos dias de hoje, citados e aplicados completamente fora de seu contexto literário e histórico para embasamento de idéias que envolvem a pregação do chamado “evangelho pragmático”, onde as tribulações da vida são vistas como “maldições”. Entretanto, o próprio apóstolo Paulo tinha consciência da necessidade das vicissitudes da vida, afirmando que “...a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Romanos 5.3 e 4 - ARA) e que todos os filhos de Deus deveriam ser “...pacientes na tribulação...” (Romanos 12.12 - ARA). Nas palavras que antecedem o texto em comento, Paulo disse aos irmãos filipenses o seguinte:

 “...aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez” (vv. 11 e 12 - ARA).

A grande maioria dos teólogos acredita que Paulo escreveu a Epístola aos Filipenses durante uma de suas prisões, talvez em Roma ou Éfeso. Segundo Francis Davidson¹, “Houve duas razões principais que induziram o apóstolo a escrever aos filipenses. A primeira, para hipotercar-lhes sua gratidão pelo fato de eles, simpatizando com seu apostolado e partilhando de suas aflições, lembrarem-se de enviar-lhe algumas dádivas por intermédio de Epafrodito, um de seus membros (Fil. 4:10-18). A segunda, para corrigir algumas pequenas desordens existentes no seio da igreja”. Nas palavras do saudoso Merril Frederick Unger², “...Seu tema é a adequação de Cristo a todas as experiências da vida – privação, perseguição, dificuldades, sofrimento e também prosperidade e popularidade. Cristo dá alegria e triunfo venha o que vier, desde que a ele se conceda o centro da vida” . Portanto, Paulo escreveu palavras motivadoras aos seus leitores, em meio à intensa tribulação a que estava condicionado no momento!

Analisando criteriosamente o contexto literário e histórico, pode-se concluir que a expressão paulina “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13 – ARA) não diz respeito ao “poder de conquistar todas as coisas”, como pregam os “apóstolos modernos”, mas sim, ao “poder de enfrentar e suportar todas as situações em Cristo”. David H. Stern³ comenta o referido texto bíblico da seguinte forma:

“O cristianismo é acusado de estimular tanto o ascetismo quanto a ganância. O ensino destes versículos, baseados em experiência pessoal (detalhada em 2Co 11:21-33), é o de que o Messias oferece poder para se enfrentar tanto a escassez quanto a fartura, na verdade o poder para todas as coisas” .

O teólogo pentecostal David Demchuk4, após tecer uma breve crítica ao frequente mau uso do texto de Filipenses 4.13, deixa claro seu entendimento, nas palavras a seguir transcritas, de que a expressão contida no referido texto diz respeito à capacidade que Paulo tinha recebido do senhor Jesus, o Cristo, para enfrentar todas as adversidades da vida:

“Em uma conclusão triunfal, o verso 13 revela a principal fonte do contentamento de Paulo: “Posso todas as coisas, naquele que me fortalece”. Este contexto do verso tem sido frequentemente transgredido, e esta verdade tem sido colocada a serviço de extravagâncias caprichosas. O apóstolo está claramente se referindo à grande variedade de suas próprias experiências (v. 12). A importância do verso 13 é encontrada no fato dessa capacidade de Paulo lutar com as adversidades da vida não ter sido alcançada por meio da auto-suficiência (como os estóicos ensinavam), mas através da suficiência em Cristo. Este fortalecimento foi parte da experiência cristã contínua de Paulo e estava fundamentado em sua união com Cristo”.

Concluindo, pode-se dizer, sem dúvida alguma, que a expressão paulina “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13 – ARA), ao contrário do que se prega atualmente, é uma das maiores expressões de fé para aplicação prática na vida diária de cada cristão, pois ensina a confiar no Deus Eterno em quaisquer situações, acreditando que Ele, embora não livre seus filhos de sofrer dificuldades na vida, outorga poder para enfrentá-las e suportá-las sempre.

JORGE CARVALHO

BIBLIOGRAFIA:

1. DAVIDSON, Francis. O Novo Comentário da Bíblia, 3.ª Edição, São Paulo, SP: Editora Vida Nova, Editado em português pelo Dr. Russel P. Shedd, 1995, Reimpressa em 2003, p. 1269.

2. UNGER, Merril Frederick. Manual Bíblico Unger, Reimpressão Revisada da 1.ª Edição, São Paulo, SP: Editora Vida Nova, Revisada por Gary N. Larson, 2008, p.555.

3. STERN, David H.. Comentário Judaico do Novo Testamento, 1.ª Edição Brasileira, São Paulo, SP: Editora Atos, 2008, p. 650.

LIBERTANDO-SE DA RELIGIOSIDADE OPRESSORA


“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11.28-30 - ARA).



INTRODUÇÃO: O texto acima transcrito é umas das mais belas expressões bíblicas de convite à aproximação de Deus. Entretanto, enganam-se aqueles que pensam que o convite foi feito a todas as pessoas da época de Jesus, judeus e gentios, bem assim que sua mensagem foi de alívio de todos os problemas. Ao contrário, as palavras de Jesus foram direcionadas exclusivamente aos judeus, pois ele mesmo disse: “...Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt. 15.24 - ARA). Por outro lado, quanto aos problemas que precisavam ser aliviados, a mensagem dizia respeito estritamente à “opressão religiosa” sofrida pelos judeus, imposta pelos religiosos da época.

 

I – O MOTIVO DO CANSAÇO E SOBRECARGA: Para se entender o texto bíblico em epígrafe, deve-se analisá-lo juntamente com todo o contexto. Aliás, nenhum versículo bíblico deve ser interpretado fora de seu contexto, pois, se assim for feito, inevitavelmente serão produzidas más interpretações e até mesmo “falsas doutrinas” (infelizmente isto tem ocorrido com muita frequência nos dias atuais). O contexto histórico nos mostra claramente a “desvirtuação da religião judaica”, decorrente do “silêncio de Deus” por aproximadamente 400 anos, ocorrido durante o período denominado “intertestamental” ou “interbíblico”. Durante este tempo, que compreende desde o encerramento do ministério profético de Malaquias até a chegada de João Batista, Deus não falou com o povo judeu. Ele não levantou nenhum profeta, o que fez com que o povo se corrompesse, pois havia uma máxima antiga que dizia: “Não havendo profecia, o povo se corrompe...” (Pv. 29.18ª - ARA). O “profeta” (hb. nabi = anunciador, declarador) era a “boca de Deus”. Os profetas muitas vezes procuraram mostrar o verdadeiro “espírito da lei” (intenção da lei) ao povo, pois a lei apresentava, na maioria das vezes, verdades espirituais através de símbolos. Como exemplo, cito as expressões do profeta Joel que disse: “Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes...” (Joel 2.13a - ARA); Os judeus tinham por costume rasgar as suas vestes em sinal de humilhação a Deus, mas, na maioria das vezes, o sinal externo não representava verdadeiramente a intenção dos corações dos praticantes. Por falta de profetas o povo idolatrou os símbolos contidos na lei e não reconheceu o verdadeiro “espírito da lei”. A lei mosaica má interpretada tornou-se barreira ao invés de mostrar o caminho para Deus, sendo que esta barreira fez com que a maioria do povo judeu rejeitasse Jesus e sua mensagem (Mt. 11.16-19). A religião corrompida tornou Deus inatingível através de exigências impossíveis de serem cumpridas, impostas pelas tradições judaicas. As pessoas ficaram cansadas de lutar com suas próprias forças para achegar-se a Deus, pois a lei tornava isso impossível. Elas ficaram oprimidas pelo peso da religiosidade (jugo) que produzia “culpa” ao invés de paz. Todo o sistema legal judaico era simbolicamente considerado como “jugo” (gr. zugos), que era um objeto para unir dois animais (balança, equilíbrio) e simbolizava a aprendizagem da lei e obediência a ela (sistema religioso), bem assim a obediência aos líderes religiosos. O Comentário Bíblico Pentecostal diz que “...O jugo era símbolo rabínico da lei de Moisés...” (4.ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2006, p. 82). Lawrence O. Richards diz, com muita propriedade, que “...Era comum no judaísmo falar do “jugo da Lei, uma expressão que implicava em um intenso estudo da Tora e na obediência a ela como meio de obter a aceitação de Deus...”” (Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1.ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2007, pp. 44/45).

 

II – MOTIVOS QUE LEVARAM O SENHOR JESUS CHAMAR O POVO PARA SI (VINDE A MIM...): O povo judeu estava vivendo sob “opressão religiosa”, pois o sistema religioso vigente na época exigia muitas coisas impossíveis de serem feitas, sendo que as coisas possíveis apenas produziam vazio na alma, semelhante ao vazio que Martinho Lutero sentiu antes de ser usado por Deus para iniciar a grande “Reforma Protestante” na Alemanha a partir de 1517. A palavra “cansaço” (gr. kopiao) tanto significava o “esforço humano”, como também o conseqüente “cansaço” advindo desse esforço. A palavra “sobregarga” (gr. pephortismenoi) significava um “excesso de carga”, palavra esta que vem de “phortion” (fardo, carga). Russell Norman Champlin diz que “...O convite, pois, visava convencer os pecadores a buscarem, na fonte da verdade, o descanso para uma consciência ferida e para uma inútil diligência religiosa, que não levava a lugar nenhum...” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Volume 1. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2002, p. 381). Os líderes religiosos da época de Jesus reivindicavam para si a “autoridade de Moisés” e sobrecarregavam as pessoas de um fardo religioso muito pesado. O próprio Senhor Jesus disse o seguinte acerca disso: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas” (Mt. 23.2-5 - ARA). Eles também reivindicavam a “autoridade exclusiva” da interpretação da lei mosaica e exigiam do povo uma reverência exagerada: “Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens” (Mt. 23.6,7 - ARA). Por causa disso é que o Senhor Jesus chamou as pessoas para si, pois ele mesmo era a “mensagem central da lei”. Na realidade, a expressão “...vinde a mim...” autorizava, e ainda autoriza, todos os cristãos a se afastarem dos líderes religiosos “possessivos”, “arrogantes”, “dominadores” e que distorcem a interpretação da Bíblia Sagrada para sustentarem suas “falsas doutrinas”, especialmente aqueles que ameaçam as pessoas de maldição por rebeldia, buscando subjugá-las através de uma “obediência cega”.

 

III) AS BÊNÇAOS PROMETIDAS NO CONVITE: As palavras do Senhor Jesus continham promessas especiais para os seus ouvintes, que servem muito bem para todos os cansados e oprimidos pela religiosidade dos tempos atuais. As promessas do Senhor Jesus foram as seguintes:

1) Alívio (“...e eu vos aliviarei...”): O “alívio” (gr. anapauo) que Jesus estava propondo era o “abandono do jugo da religiosidade”. Etimologicamente a referida palavra “...significa “fazer ou permitir que a pessoa deixe de qualquer trabalho ou movimento” para recuperar forças. Implica labuta e cuidado prévios. Seu significado principal é descansar ou fazer descansar....” (Dicionário Vine. 7.ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora CPAD, 2007, p. 388). O Senhor Jesus estava convidando os seus ouvintes a abandonarem o jugo pesado da religiosidade, que os estavam deixando cansados pelo esforço na tentativa de cumprir a lei mosaica e toda a tradição judaica sem êxito. Ele também estava convidando seus ouvintes a abandonarem o “jugo do abuso de autoridade”, praticado pelas autoridades religiosas corruptas e autoritárias. Este “abandono” conseqüentemente produziria “alívio”, pois libertaria do fardo da “obediência cega”, praticada por “medo de maldição”;

2) Jugo de Jesus (“...Tomai sobre vós o meu jugo...”): O jugo de Jesus era o seu ensinamento a respeito da “justiça de Deus”, sendo que este ensinamento tinha como base o ”cumprimento da lei” de maneira “vicária” (substitutiva) por ele próprio em nosso lugar, pois aos seres humanos esse “cumprimento integral da lei” era e é “impossível”, porque a própria lei exigia o seu cumprimento integral e perfeito. O Novo Comentário da Bíblia deixa claro que este jugo diz respeito ao “...ensino de Cristo, o que, por implicação, contrasta com os ensinos opressivos dos fariseus...” (3.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1997, Reimpressa em 2003, p. 964). Sendo assim, “...Tomar o jugo significa que é estabelecida uma relação na qual o discípulo aprende sabedoria do Mestre manso e humilde. Este trabalho dá descanso...” (Comentário Bíblico Pentecostal. Vide, p. 82). O ato de “tomar o jugo de Jesus” também tem a ver com a “crucificação com Cristo” (negação de si mesmo), pois a Cruz era símbolo de morte e abnegação (morte do “eu”). Paulo disse: “...Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...” (Gl. 2.19b, 20a - ARA). A morte simboliza o enxerto na Videira Verdadeira, pois o próprio Senhor Jesus disse: “Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo. 15.5 - ARA);

3) Aprender de Jesus (“...e aprendei de mim...”): Como já foi dito acima, o senhor Jesus convidou seus ouvintes a abandonarem o jugo pesado da religiosidade que cansava e oprimia, pelo esforço na tentativa de cumprir a lei e toda a tradição judaica sem êxito. Sendo que “ele cumpriu toda a lei” de maneira “vicária” (substitutiva) em nosso lugar, com todos os seus simbolismos, somente Ele tinha a interpretação correta da referida lei. Por isso Jesus convidou seus ouvintes a “aprender exclusivamente através dos ensinamentos dele”, fazendo um sério contraste com os ensinos religiosos da época. O senhor Jesus estava dizendo, indiretamente, que os “líderes” religiosos da sua época não poderiam ensinar o verdadeiro “espírito da lei mosaica”, por isso seus ouvintes somente poderiam aprender isso dele próprio;

4) Jesus é o Mestre “manso” e “humilde” (“...porque sou manso e humilde de coração...”): Jesus novamente estava contrastando suas próprias atitudes com as atitudes dos líderes religiosos da sua época, que eram “violentos” e “arrogantes”. A palavra “manso” (gr. praus) significa “gentil” e “compreensivo”, ou seja, o senhor Jesus estava se apresentando como uma pessoa que não praticava “abuso de poder” como faziam os religiosos judaicos. Ele mesmo demonstrou isso na prática em várias oportunidades, como por exemplo, quando tratou com a mulher adúltera, dizendo a ela o seguinte: “...Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais” (Jo. 8.11b - ARA). A palavra “humilde” (gr. tapeiros) significa literalmente “abaixado”. Ora, o Senhor Jesus, mesmo sendo o filho primogênito de Deus, “...a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo...” (Fp. 2.7ª - ARA), ou seja, durante a sua vida terrena jamais foi arrogante e dominador como os religiosos judaicos. Ele era compreensivo e agia com amor e paciência em relação às pessoas;

5) Descanso para a alma (“...e achareis descanso para a vossa alma...”): Esta palavra “descanso” é sinônimo de “alívio” (gr. anapauo). Em contraste com os ensinamentos impostos pelos religiosos da época, que produziam “peso na alma”, os ensinos do Senhor Jesus tinham a capacidade de produzir “paz na alma”, ou seja, “refrigério na alma”. Seus ensinos “jamais isentaram” seus ouvintes dos “problemas inevitáveis” e das “tribulações necessárias”, porém, eliminava o maior dos males, que era o “peso da má consciência” que afastava as pessoas de Deus. Lawrence O. Richards diz que “...Jesus oferece a todas as pessoas cansadas um descanso que será encontrado não no estudo da Torá, mas na adoção dos ensinos de Cristo...”” (Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Vide, p. 45). Para nos aproximarmos de Deus não podemos ter “má consciência”, que é produzida pela “culpa”, pos o escritor da Epístola aos Hebreus disse: “...aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de consciência e lavado o corpo com água pura” (Hb. 10.22);

6) Jugo suave e fardo leve (“...Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”): O “jugo” do senhor Jesus se resume no ato “voluntário” de “obediência e submissão” exclusivas a ele, que cumpriu a lei por todos os seres humanos de forma vicária (substitutiva). O jugo de Jesus é suave porque é baseado no verdadeiro “espírito da lei” ensinado por ele. Na realidade, a “vida cristã” não pode ser um fardo pesado para se carregar, pois este “fardo” (gr. phortion = carga), que diz respeito ao “serviço cristão”, deve ser prazeroso.

 

CONCLUSÃO: Como já foi dito no início, o texto ora estudado diz respeito a umas das mais belas expressões bíblicas de convite à aproximação de Deus. Este convite é para “abandono da religiosidade opressora”, que afasta o ser humano de Deus ao invés de conduzi-lo a Ele. Nossa vida cristã sempre será vivida entre “problemas inevitáveis” e “tribulações necessárias”. A respeito dos “problemas inevitáveis”, o próprio Senhor Jesus disse: “...No mundo, passais por aflições... (Jo. 16.33 - ARA). Mas, mesmo diante dos problemas, devemos viver com “paz na alma”, pois o próprio Jesus disse: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim...” (Jo. 16.33 - ARA). Quanto às “tribulações necessárias”, devemos encará-las como importantes para o nosso “amadurecimento espiritual”, pois o apóstolo Paulo disse: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm. 5.3,4 - ARA); “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co. 4.17,18 - ARA).

(Texto revisado e reeditado)

 
JORGE CARVALHO

LAVANDO OS PÉS UNS DOS OUTROS


(João 13.1-17 - ARA)

 

INTRODUÇÃO: A lavagem dos pés, feita pelo Senhor Jesus em relação aos seus discípulos, tem uma significação simbólica muito especial. Quando alguém é alcançado pela graça de Deus, Ele, através do seu espírito, efetua uma “lavagem” completa, que é a “regeneração”. Jesus disse certa vez aos seus discípulos: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo. 15.3 - ARA). Os discípulos já haviam sido regenerados por Deus, através da sua palavra “...que havia produzido tão estupendos resultados, isto é, “a revelação total que ele fizera, que lhes infundira a vida espiritual e, por conseguinte, que os purificara”...” (CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Volume 1. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2002, p. 539). O Novo Comentário da Bíblia nos diz que “...Os verdadeiros crentes são purificados pela Palavra e pela experiência de união com a videira...” (3.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1995, Reimpressa em 2003, p. 1092). Entretanto, mesmo regenerados, estaremos sujeitos a cometer muitos pecados enquanto vivermos na terra, sendo, por isso, que precisamos tanto do perdão do Senhor constantemente, como também da compreensão de nossos irmãos, compreensão esta que também devemos praticar em relação a estes.

 

I – O COSTUME ANTIGO DE SE “LAVAR OS PÉS”: Lavar os pés dos visitantes, pelos empregados nas casas de anfitriões, parece ter sido um costume muito antigo (Gn. 18.4; 19.2; 24.32; 1Sm. 25.41). Como bem relata Russell Norman Champlin, “...O costume teve origem nas circunstâncias das localidades orientais, onde as estradas eram poeirentas e o clima era opressivamente quente...” (Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 8.ª Edição. Volume 3. São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2006, p. 738). A prática do “lava-pés” também era utilizada pelos discípulos em relação aos seus mestres, pois “..era considerado sinal de reverência um discípulo lavar os pés de seu mestre....” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 737).

 

II – APLICAÇÃO ESPIRITUAL DO LAVA PÉS: Podemos extrair as seguintes aplicações espirituais do ato praticado pelo Senhor Jesus, quais sejam:

 

1) Precisamos de perdão constantemente: Como bem frisa Russell Norman Champlin, “...os pés são um símbolo da conduta diária...” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 740), ou seja, “símbolo da caminhada cristã”, que “...se sujam durante a caminhada neste mundo e precisam ser limpos...” (Enciclopédia de Bíblia. Vide, p. 740). Embora possamos estar “limpos” pela obra da “regeneração”, que muda nosso caráter, não existe a possibilidade de andarmos neste mundo sem “sujarmos os nossos pés no caminho”. Na caminhada muitas coisas nos afetam e “prendem-se” aos nossos pés. Por isso, “...O fato de o Senhor ter lavado os pés dos discípulos ilustra a contínua necessidade que o crente tem de purificar-se depois do banho definitivo da regeneração...” (UNGER, Merril Frederick. Manual Bíblico Unger. Reimpressão Revisada da 1.ª Edição. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2008, p.448). O apóstolo João deixou bem claro a necessidade de purificação constante de pecados, quando disse: “Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1Jo. 1.10; 2.1 - ARA).

 

2) Devemos viver humildemente: Não há como duvidar de que o ato do Senhor Jesus de lavar os pés de seus discípulos serviu como ensinamento de “humildade”, especialmente pelo fato de que havia discussão entre eles para definição de quem seria superior (Lc. 22.24). A palavra “humilde” (gr. tapeiros) significa literalmente “abaixado” e, por coincidência, ou não, o ato de lavar os pés forçava o indivíduo a inclinar-se abaixo do nível da estatura da outra pessoa, cujos pés seriam lavados. O Senhor Jesus tirou suas roupas de cima, sendo que este ato significava tanto “intimidade” e “humilhação”, como também demonstração de “igualdade de condições”, pois um superior jamais se despia diante de seus servos. O próprio Senhor Jesus deu o exemplo máximo da humildade, pois mesmo sendo o filho primogênito de Deus “...a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo...” (Fp. 2.7a - ARA), ou seja, durante a sua vida terrena jamais foi arrogante e dominador como os religiosos judaicos da sua época. Ele mesmo disse o seguinte, quando ensinava seus discípulos acerca da humildade, em razão do desejo de superioridade deles: “Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt. 20.28);

 

3) Devemos compreender os pecados das outras pessoas: Como é inevitável sujar os pés durante a caminhada, devemos compreender as sujeiras dos pés dos nossos semelhantes, ou seja, os pecados por eles cometidos, pois os nossos pés também vão estar sempre sujeitos às mesmas sujeiras da caminhada. Os servos, na antiguidade, tinham que lavar os pés dos visitantes da casa em silêncio, por isso devemos lavar os pés uns dos outros também em ”silêncio”, sem reclamações, sem sermões morais ou quaisquer outras palavras, bem assim sem julgamentos. Como já foi dito acima, tirar as roupas significava tanto “intimidade” e “humilhação”, como também demonstração de “igualdade de condições”. Conseqüentemente, o ato de despir-se simboliza o “abandono da justiça própria”, que é decorrência do ato de “humilhação”, pois devemos estar “nus” e “abaixados”. Quando nos despojamos das nossas justiças próprias, evitamos cair na tentação do julgamento. O Senhor Jesus nos deixou um precioso conselho acerca do ato de “julgamento de erros” nas outras pessoas, que deveríamos evitar, quando disse: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Mt. 7.3-5 - ARA). O renomado doutrinador Orlando Spencer Boyer fez a seguinte observação preciosa: “...não convém lavar-lhes os pés com água escaldante, isto é, reprová-los com ira. Nem é bom lavar-lhes os pés com água gelada, isto é com dureza” (Espada Cortante. Volume 2. 2.ª Edição. Pindamonhangaba, SP: Editora IBAD, 1983, p. 454). Na realidade, o ato simbólico de “lavar os pés” não significa que o ser humano tenha poder de perdoar pecados. O referido ato simbólico deve caracterizar-se, como diz o Rev. Caio Fábio, “...não como quem purifica pecados, mas como quem dá conforto, recebe em casa, e afirma o irmão como irmão, não importando a jornada.. ”. O Apóstolo Paulo disse aos irmãos da Galácia: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (Gl. 6.2 - ARA). As cargas referidas por Paulo “...são o peso do pecado por causa do pecado que o irmão faltoso está carregando, bem como todos os outros pesos da tristeza e da preocupação que podem sobrecarregar os corações de nossos semelhantes...” (O Novo Comentário da Bíblia. Vide, p. 1246);

 

4) Devemos conviver com os demais pecadores: O apóstolo João disse na sua primeira epístola que “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”. Portanto, devemos reconhecer que somos pecadores em condições de igualdade com as pessoas que nos cercam. Nossa obrigação é conviver com todos sem nos afastarmos por motivo algum, muito menos por questões religiosas. Russell Norman Champlin assevera que “...Os fariseus se satisfaziam em retirar-se da presença daqueles que consideravam pecadores, pensando que até a poeira dos gentios e pecadores provocava a impureza cerimonial, levando os contaminados a perderem as condições apropriadas para adorarem e servirem a Deus...” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Volume 1, p. 351, 2002, Editora Hagnos, São Paulo/SP). Entretanto, o Senhor Jesus vivia entre os pecadores pregando o evangelho e ensinando acerca do reino de Deus, sendo que é isto que devemos também fazer durante nossa vida terrena;

 

5) Não devemos ter medo de expor nossos erros: Assim como teremos que ver a sujeira dos pés das outras pessoas, e talvez até sentir o seu mau cheiro, também não podemos ter medo de expor nossa sujeira. Mostrar os pés é não ter medo de expor a própria sujeira, porque a outra pessoa também sempre estará com os pés sujos.

 

CONCLUSÃO: Nossa caminhada cristã deve ser feita de forma consciente, pois devemos entender que jamais alcançaremos a perfeição aqui na terra, mas sim, estamos caminhando em direção à perfeição que virá através da “glorificação”, quando estivermos permanentemente com o Senhor. Enquanto caminhamos aqui na terra, estaremos sujeitos ao cometimento de muitos pecados, embora não deva ser nosso interesse cometê-los. Por isso, precisamos do perdão do Senhor constantemente, bem como devemos entender os erros dos nossos semelhantes e jamais julgá-los, pois sempre estaremos sujeitos a julgamento. “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt. 7.1 - ARA).

(Texto revisado e reeditado)

 
JORGE CARVALHO